Jorge Duarte Estevão partiu à descoberta do mundo e já visitou 57 países

Jorge Duarte Estevão partiu à descoberta do mundo e já visitou 57 países

Jorge Duarte Estevão partiu à descoberta do mundo e já visitou 57 países

11-12-2019

11-12-2019


Jorge Duarte Estevão foi jornalista durante vários anos, mas cansou-se da rotina e decidiu começar a viajar pelo mundo, contando as suas aventuras no blogue/site “lugaresincertos.com”. Neste seu projeto alia o prazer da escrita e da fotografia. Este alentejano natural de Castro Verde já visitou mais de 50 países e a sua última grande viagem foi a Macau, onde esteve durante cerca de dois meses, entre outubro e novembro de 2019. Em conversa com a A Próxima Viagem, Jorge Duarte Estevão falou-nos desta sua grande paixão, dos destinos que mais o marcaram, dos maiores perigos que correu e muito mais.

A necessidade de contar histórias

“Não sei exactamente quando começou este interesse por viagens, mas talvez desde que saí da terra natal para viver num outro ponto do país e mais tarde viver noutros locais em Portugal e até no estrangeiro. Tudo isso permitiu-me conhecer um bocado do mundo e até de mim próprio. Desde as primeiras viagens de carro em Portugal e Espanha, até à primeira viagem de avião há muitos anos, para Londres, tudo se consolidou para que viajasse mais”, começa por referir, acrescentando: “E o viajar mais também me despertou um interesse ainda maior por viajar. Ao mesmo tempo ia consumindo bastante literatura ligada a viagens e comecei a fotografar, pelo que tudo isso foi fundamental nesta atracção pelos lugares do mundo”.

A ideia do blogue/site “lugaresincertos.com” surgiu por vários motivos. “Sentia necessidade de escrever, de contar histórias, de publicar fotografias e também de inspirar, de ajudar quem quer viajar. Achei que, apesar de existirem vários e bons blogues em Português, ainda havia espaço para mais um. E porquê? Porque é, acima de tudo, a minha visão. Não criei o blogue para preencher nenhum espaço vazio, para fazer concorrência, ou algo do género. Nem creio que exista muito esse pensamento na comunidade. E continua a haver espaço” refere.

No fundo, foi a veia jornalística a querer regressar, necessitando de fazer mais do que colaborações esporádicas. “Foi um blogue/site criado por mim, não sobre mim, mas sobre as viagens que faço, as histórias que encontro e, sobretudo, porque ouvia muita gente a dizer-me que devia publicar mais fotografias, mais textos. Acima de tudo quis e quero também inspirar outros a partir à descoberta do mundo. E queria dizer-lhes que qualquer um pode viajar, não é uma actividade de elites. Só é preciso definir que esta é a prioridade. Para mim foi fácil fazê-lo”, confessa.

Dois anos até o esforço ser recompensado

Jorge já andava a “cozinhar” o projecto do blogue há algum tempo, mas demorou cerca de um ano para defininir o que queria apresentar. “O mais difícil ao criar um site ou blogue é não complicar. Entre o momento em que comecei a trabalhar no blogue – desde o design, logotipo, estrutura, conteúdos estáticos, etc, terá passado talvez um ano. E um ano depois começaram a surgir os primeiros sinais do trabalho efectuado”, conta.

Sublinha que “este é um processo demorado e que nunca está terminado, sendo preciso adaptar o design para todos os dispositivos e trabalhar para que esteja sempre actualizado, em termos funcionais e de conteúdo”. E como é um blogue pessoal, é ele que faz tudo, não havendo “outsorcing” de conteúdos.

O que é isso de visitar um país?

A pergunta era inevitável e por isso fizemo-la: quantos países é que este viajante inveterado já visitou? “Posso responder com um número, mas não sei se o número responde à questão. Porque eu só sei o número de países que visitei quando me perguntam e de cada vez que me perguntam tenho de ir contar e depois volto a esquecer-me”. E questiona o que é isso de visitar um país. “É lá estar umas horas, uma semana, um mês? Em que momento é considerado visitar um país? Qual é o critério? Porque ir a Lisboa ou a Londres não é, certamente, conhecer Portugal ou o Reino Unido. Muitas vezes, ou quase sempre, as capitais não são as melhores referências de uma nação. E quando ‘visitamos um país, começamos, invariavelmente, pela principal cidade”, diz.

Jorge conta-nos uma história curiosa que ilustra esta temática. “Durante a viagem de Portugal a Macau, conheci um escandinavo que faz parte de um clube de viagens no seu país. Este homem disse-me que apenas se pode ser membro desse clube quem tiver visitado mais países do que a sua idade e um país só é considerado “visitado” por quem lá tiver passado, pelo menos, dois dias”, revela. E acrescenta que “o critério e o número de países visitados é muito subjectivo”. Ainda assim, consegue chegar a um número exato. “Foram 57 os países por onde passei e já visitei todos os continentes, com excepção da Antártida”, revela.

Gosta de voltar onde foi feliz

Diz o ditado que não devemos voltar onde fomos felizes. No entanto, se pensarmos um pouco, esse ditado é um pouco absurdo, opinião partilhado por Jorge Estevão. “A mim interessa-me bastante revisitar sítios. Por vezes até mais do que conhecer novos países. Sinto-me bem, muito bem, aliás, a visitar os mesmos locais onde já estive. Sinto-me confortável e ao mesmo tempo surpreendo-me. E isso já aconteceu por diversas vezes, por exemplo em Istambul recentemente ou na Namíbia, entre outros”, realça.

Entre os destinos que revisitou está, por exemplo, Bagan, em Myanmar, onde assistiu ao que qualifica como “melhor nascer-do-sol do planeta”. E também “o silêncio do deserto do Namibe, na Namíbia”, onde também já esteve mais do que uma vez. Marcante foi igualmente “o cara a cara com tubarões, em mar alto, no Belize, sem jaula”. Ou ainda o céu mais estrelado que já observei, no Milford Sound, numa noite de Natal na Nova Zelândia, ou o colorido da Aurora Borealis, na Lapónia finlandesa.

Mais recentemente, ficou-lhe na memória a viagem à Papua Ocidental, na Indonésia, que partilhou com um grupo de portugueses. “Conhecemo-nos ao acaso numa outra viagem e juntámo-nos ali, vindos de Portugal, de Inglaterra, de Timor e de outras ilhas indonésias. É um daqueles lugares onde não é excessivo usar o adjectivo paradisíaco. Felizmente, é difícil lá chegar e isso, espero, servirá para que se mantenha”, sublinha. Mas revela que se fosse obrigado a escolher, as viagens favoritas seriam a travessia independente que fez entre a Namíbia, Botswana e Zimbabué e uma outra, em que atravessou o México, a Guatemala e o Belize e ainda a ida à Papua Ocidental.

Namíbia é o seu país de eleição

Jorge revela que a Namíbia é o seu país de eleição. “Adoro a luz para fotografar, o horizonte sem fim, o silêncio e a vida selvagem. Há algo de intrigante naquelas paisagens que me seduzem e me obrigam a regressar. Um dos textos mais apaixonados que escrevi foi exactamente sobre a Namíbia. Acho que África, de uma forma especial, me conquistou mais do que qualquer outro continente”, diz.

Destaca ainda a Islândia e a Nova Zelândia, que considera muito parecidos em termos de paisagens. Uma grande surpresa recente foi a Geórgia, onde acabou por ficar 45 dias. E a Indonésia, “um lugar especial em que é preciso uma vida para explorar em terra e no mar”. E, finalmente, Cuba. “Mas não a Cuba dos resorts, mas a Cuba pura – como os charutos da ilha”, atira.

Os povos mais simpáticos

Aliás, considera o povo cubano como o mais afável com que se cruzou. “Apesar das dificuldades, do que sofrem diariamente, do pouco que têm, as pessoas em Cuba surpreenderam-me pela abertura, sinceridade e honestidade. E claro que sei bem distinguir quando há simpatia de alguém porque está a pensar no dinheiro que tens na carteira para gastar por ali. Acho que Cuba foi o único local, que até agora visitei, onde até os taxistas foram simpáticos, mesmo quando lhes dizia que não estava interessado nos seus serviços”, atira.

Em segundo lugar, coloca os povos uzbeque e turco. “Nós, em Portugal, temos bom receber, de uma forma geral. Mas fiquei espantado, porque na Turquia houve quem me mostrasse a cidade, me pagasse um jantar ou me desse boleia sem pedir nada em troca. E no Uzbequistão aconteceu algo semelhante, até quem me pagasse o bilhete do autocarro só para agradecer por poder praticar o inglês. Aquela rapariga que não soube o nome, nem irei voltar a ver quis pagar o bilhete e não havia como dizer não”, diz.

França e Cazaquistão, não obrigado

Em termos negativos, destaca França. “Estive três vezes em Paris e em nenhuma foi por minha iniciativa. Duas vezes foi em trabalho e outra foi uma oferta. Bem sei que Paris não representa tudo o que é França, mas é um local, talvez para espanto de muita gente, que não me fascina, de todo”, considera.

Por outro lado, conta que no Cazaquistão raramente viu um sorriso. “Ninguém fica satisfeito por estares ali com vontade de conhecer, de saber mais sobre o país, de gastar dinheiro. Conheci uma mulher indonésia pouco depois de ter estado no Cazaquistão e que teve exactamente o mesmo sentimento. Ela dizia que talvez seja porque o Cazaquistão é dos países daquela região que mais dinheiro tem e não precisa de turistas. Talvez seja isso, talvez seja outro motivo”, refere.

O avião quase em queda livre e fotos marcantes

Jorge diz que já passou por situações de perigo em quase todos os continentes. “Desde ver o avião quase em queda livre, até ficar preso numa tempestade sem dali poder sair. Mas prefiro focar-me no aspecto positivo das viagens, porque o que de bom acontece suplanta o pouco de mau que também acontece. E ao encontrar pessoas com 70 anos a viajar sozinhas, despreocupadas com o sítio onde vão dormir, ou com o dia de amanhã, só percebo que fazer isso com menos 30 ou 40 anos não é qualquer extravagância”, realça.

Falemos agora da paixão de Jorge pela fotografia. “Melhor foto de sempre ou que me ficou na retina? Não tenho uma foto que consiga destacar como a melhor ou a que mais prazer me deu. Houve várias que considero interessantes, em locais onde sei que tenho de voltar para fotografar porque me deram enorme prazer: Namíbia, Botswana, Escócia, Austrália, Nova Zelândia, Islândia, Guatemala, Myanmar, Indonésia, Uzbequistão e muitos outros sítios onde não estive ainda”, diz, acrescentando: “Parafraseando a fotógrafa americana Imogen Cunningham, a minha fotografia favorita é a que vou captar amanhã.”

Os costumes mais exóticos que encontrou

Jorge Estevão fala-nos ainda sobre alguns costumes bastante peculiares que conheceu. “No Cazaquistão, pareces um ser estranho se levares um saco de pano ao hipermercado e disseres que não queres saco de plástico. Tens mesmo de insistir para não te darem um saco de plástico. Ao invés, na Geórgia, adorei que nos hipermercados vendam inúmeras coisas a granel, desde açucar, farinha, grãos e passas, que até podes levar em sacos de papel, em substituição do plástico”, revela.

“Na Geórgia, os condutores são loucos como nunca vi e insistem em atestar o depósito do carro com o motor sempre ligado. Alguns até fumam ao mesmo tempo. E em vários países da União Soviética, mesmo depois das obras terminadas, não se tiram os plásticos ou etiquetas dos móveis e nem sequer das janelas. Também nesses países é difícil despertar tarde porque as cortinas são todas transparentes”, conta.

Jornalismo deixado para trás

Hoje em dia, sente que tomou a decisão certa ao deixar a profissão de jornalista para segundo plano. “Bom, na verdade nunca deixei de o ser, porque sempre mantive a colaboração mais ou menos regular com alguns órgãos de comunicação. Fui-me mantendo ligado, sempre que possível. E acho que uma vez jornalista para sempre jornalista, quer continue a trabalhar na área ou não. Pelo menos dentro de ti, mantém-se sempre essa ligação ou paixão”, defende.

Na sua opinião, a profissão de jornalista mudou bastante. “Há muita exploração no meio e muita gente mal paga. Há pouco tempo para reflectir no que se escreve, há a necessidade urgente, o imediatismo, o repentismo. Perdeu-se qualidade, os salários não melhoraram, a exploração não diminuiu. Desde que saí da última redacção onde estive, conheci inúmeros casos de gente a abandonar a profissão, porque há um momento na vida em que tens de optar: viver do orgulho de ser jornalista ou viver com um salário decente a fazer qualquer outra coisa que te dê prazer e que pague as contas e te sustente a ti e à tua família. Muitas vezes nem é uma questão de escolha, é uma obrigação”, lamenta.

Por outro lado, defende que é mais fácil ser-se “freelance” agora, o que não quer dizer que haja melhores condições. “Se há mais meios para onde tentar vender uma história, também há menos gente disposta a pagar por ela. E quem consegue vender uma ou outra história, fá-lo muitas vezes por uns trocos.

Ocupações e planos para as próximas aventuras

Como já explicou, a escrita e a fotografia são as suas principais ocupações, seguindo-se a leitura. “Não gosto de estar desocupado, tento adaptar-me e evoluir. Leio bastante, tento aprender, melhorar o que já sei. Estou sempre nesta luta incansável para ser melhor amanhã do que fui ontem e evoluir”, refere.

No que toca a viagens por realizar, existem algumas ideias na sua cabeça. “Com sinceridade não sei qual a próxima viagem que vou fazer, mas planos não me faltam para os próximos locais. Gostava de revisitar alguns destinos na Ásia (onde estive recentemente), como Myanmar e Indonésia. E quero muito conhecer Timor. Talvez regresse à Nova Zelândia ou Austrália e explore outra vez esses países numa autocaravana. Ou talvez regresse a Portugal de comboio, desta vez, atravessando a Mongólia e a Rússia. Talvez abrace um outro projecto, pois ideias não faltam”, garante. “Na verdade, se houvesse meios financeiros faria tudo isso. A viagem mais ambiciosa que quero fazer, porque é dispendiosa, é ir à Antártida”, acrescenta.

Dicas para quem quer ser um grande viajante

Jorge fornece algumas dicas para quem queira tornar-se um grande viajante. “Em primeiro lugar, acho que cada um deve viajar para onde mais lhe agrada. Porque muitas vezes oiço criticar quem fica instalado em hotéis de luxo ou apenas viaja para resorts. Só porque não é a minha forma de viajar, não tenho de criticar quem o faz. Da mesma forma, só porque é comum fazer uma volta ao mundo ou um “gap year”, nem toda a gente tem de o fazer. Qualquer pessoa tem a sua própria paixão, os seus próprios interesses. Para mim é melhor passar três meses na Mongólia do que 15 dias em seis diferentes países”, confessa.

“Procuro ir além dos destinos que repetidamente aparecem nas revistas e além dos sítios turísticos para tentar encontrar as gentes locais. Mas para isso não preciso ir para a Amazónia ou para o Quénia e dormir com tribos locais. Há muitas formas e lugares para o fazer. Há gentes locais na nossa cidade que desconhecemos. Sobretudo, acho que quem quer viajar – em pequenas viagens ou grandes odisseias – deve defini-lo como prioridade e usar os meios que estiverem ao seu alcance para lá chegar”, acrescenta.

E a terminar, uma constatação depois de tantas viagens realizadas. “Não sei se fazer uma viagem de longa duração te dá o estatuto ou não de grande viajante. Nem creio que seja relevante, porque não gosto de rótulos. Porém, tenho a certeza que uma viagem de longa duração te transforma enquanto viajante e enquanto pessoa”, finaliza.

Percorra a galeria e veja algumas imagens das muitas viagens de Jorge Duarte Estevão.

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